2020-03-16 (IPMA)
Um artigo publicado no dia 12 de Março de 2020 na revista Science, aponta uma nova resposta para um dos mistérios da idade dos gelos, “O que faz com que os períodos glaciares terminem?”. O estudo contou com a participação de duas investigadoras do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e Centro de Ciências do Mar (CCMAR).
Sabe-se agora que o ciclo de obliquidade astronómica influência o início e duração das terminações glaciares, ao longo do último milhão de anos. Neste estudo agora publicado pela revista Science, uma equipa internacional de investigadores, liderada pela Universidade de Melbourne, começa a aproximar-se de uma explicação para o início das terminações - período que decorre entre o fim de um período glaciar (clima frio) e o início de um período interglaciar mais quente (semelhante ao existente hoje em dia), e que acontece a cada 100 mil anos. Recorrendo às mais recentes técnicas de datação radiométrica, os cientistas conseguiram determinar a idade de duas terminações que ocorreram há cerca de 960 e 875 mil anos atrás. As idades sugerem que o início de ambas as terminações é consistente com as alterações de insolação associadas ao ângulo de inclinação da Terra. Em ambas as terminações, estas iniciaram-se quando a energia de verão no Hemisfério Norte, sobre as calotes glaciares do Ártico, se aproximava dos valores máximos e eram tão mais rápidas quanto maior era essa energia, e progrediam até ao momento em que se atingia o máximo de energia solar de verão recebida na zona polar. Uma comparação desta descoberta com dados de nove terminações mais recentes, mostra que esse padrão persistiu durante o último milhão de anos.
A equipa de cientistas integrou investigadores portugueses, do IPMA e CCMAR, as paleoceanógrafas Antje Voelker e Teresa Rodrigues, que contribuíram com registos paleoclimáticos obtidos de sedimentos marinhos, que revelam alterações da temperatura e salinidade na superfície do mar, e que foram recolhidos na margem SW portuguesa (locais perfurados no âmbito do programa IODP no margem de Sines e de Algarve).
Há muito que os investigadores suspeitavam que as mudanças na geometria da órbita da Terra, que controlam a quantidade de energia solar que chega às altas latitudes (zonas polares), constituíam a melhor explicação para as terminações. No entanto, continuava a incerteza sobre qual a característica orbital mais importante. Os dois principais fatores são aumentos subtis no ângulo de inclinação do eixo da Terra (a obliquidade) e alterações na oscilação do eixo da Terra quando esta está mais próxima do Sol (precessão).
Os registos marinhos foram correlacionados com dados de estalagmites da gruta Italiana de Corchia (FOTOGRAFIA:Galeria delle Stalattit). Deste modo, foi possível cruzar a informação climática contida em ambos os registos climáticos, algo nunca antes feito para esta escala temporal. Russell Drysdale, Professor da Universidade de Melbourne na Austrália, que liderou o projeto, explica: “Quanto mais elevados os níveis de energia no verão, mais rápido é o colapso das camadas de gelo. Quando iniciámos o estudo não esperávamos este resultado, mas faz sentido”.
A equipa quer agora explorar os padrões para os últimos milhões de anos, já que algo que muito intriga os cientistas é a chamada Transição do Pleistoceno Médio, ou seja, a altura em que a duração dos ciclos da era do gelo mudaram de 40 para 100 mil anos. Um período chave que os investigadores polares planeiam perfurar no gelo antártico nos próximos anos.
Referência da publicação:
Bajo, P., Drysdale, R.N., Woodhead, J.D., Hellstrom, J.C., Hodell, D., Ferretti, P., Voelker, A.H.L., Zanchetta, G., Rodrigues, T., Wolff, E., Tyler, J., Frisia, S., Spötl, C., Fallick, A.E., 2020. Persistent influence of obliquity on ice age terminations since the Middle Pleistocene transition. Science 367, 1235-1239, doi: 10.1126/science.aaw1114.
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